Dia 13 de junho de 2010 foi um domingo de Copa do Mundo. Não tinha jogo do Brasil, mas muita gente aproveitou para reunir família e amigos para acompanhar as partidas. A maioria das pessoas não guarda a data na memória. No entanto, para a família de Andrea Moura Lima, foi o dia em que a vida mudou completamente.
Durante a tarde, o filho mais velho do casal Andrea e Neto, Rodrigo Lima, saiu para andar de skate com os amigos, em Curitiba (PR). “Ele tinha acabado de passar no vestibular de Engenharia Mecânica. Tinha 19 anos. Era um rapaz extrovertido, alegre, gostava de estar com os amigos”, conta a mãe. Pouco antes de o jogo acabar, a família recebeu uma ligação informando que Rodrigo havia sofrido um acidente e estava sendo levado ao hospital.
O jovem caiu e bateu a cabeça três vezes no chão. Os médicos que o atenderam constataram uma fratura de 10 cm na base do crânio e identificaram uma concussão cerebral. Por causa disso, foi necessário esperar algumas horas para avaliação com um exame de tomografia. As imagens mostraram um cérebro inchado e a preocupação seguiu. Uma cirurgia foi realizada em seguida, a craniotomia descompressiva, que é feita para reduzir a pressão intracraniana. Após o procedimento, ele foi levado para a Unidade de Terapia Intensiva (UTI), onde ficou em coma induzido para a recuperação por cerca de quatro meses.
No início, Rodrigo conseguia fazer pequenos movimentos com os braços, mãos e pernas. Para a família, a esperança de voltar à vida de antes aumentou. Entretanto, duas semanas após o acidente, mais uma fatalidade. “O cérebro dele estava tão inchado que a parte de trás, onde não foi possível realizar a retirada na cirurgia, fez tanta pressão que fechou a carótida (artéria que faz a ligação entre o coração e o cérebro). O Rodrigo teve duas paradas cardíacas, ficou em estado de convulsão por 6 horas e não conseguimos reverter o quadro”, emociona-se a mãe ao lembrar.
Com a falta de oxigenação do cérebro, várias partes do órgão ficaram comprometidas. Rodrigo permaneceu internado por cinco meses. “Naquele momento, eu não conseguia imaginar a vida do meu filho, do meu herói, daquela pessoa inteligente, dentro de uma gaiola. Era como ver um leão em uma jaula escura, sem saber que está vivo”, conta Andrea.
Luta para viver
Boa parte do tempo em que ficou internado, Rodrigo esteve no Hospital São Marcelino Champagnat, que inaugurou no ano seguinte ao acidente. O médico infectologista Sergio Penteado Filho esteve presente em todas as internações de Rodrigo. “O Sergio cuidou de quatro bactérias resistentes no Rodrigo e ele nos acompanha até hoje. Eu confiei no Dr. Sergio de primeira e ele segue sendo um grande apoio pra nossa família”.
Para o médico, ajudar Rodrigo e a família nos momentos mais críticos é cumprir o juramento de dedicação à medicina. “Pacientes que ficam muito tempo em hospitais, como é o caso do Rodrigo, frequentemente desenvolvem doenças infecciosas. Acompanhar desde o início faz diferença, pois facilita na tomada de decisões. Eu conheço fatores de risco, sei o histórico de infecções e dos antibióticos que ele usou. Posso cumprir meu papel de maneira ainda mais eficiente”, explica.
Nesses 13 anos que se passaram, Rodrigo lutou muito para viver. Foram sete anos em UTIs, somando todos os períodos de internamento especializado. Em cada internação e recuperação, a família estava ao lado. A casa deles foi totalmente adaptada para os cuidados especiais. “Mudei meu quarto, coloquei elevador adaptado em casa, comprei cama cirúrgica, contratei profissionais para reabilitação intensiva. Adaptei meu carro e comprei cadeira de rodas que se adapta também ao veículo. Transformei nossa casa em home care especializado para que o Rodrigo tivesse todos os cuidados e estímulos possíveis”, conta a mãe.
O infectologista reforça a importância de Rodrigo estar cercado de pessoas que cuidam e amam incondicionalmente. “É realmente admirável. Dentro dessa tragédia, a família teve forças para se organizar e lutar pela vida dele. O amor não só da família, mas dos cuidadores, da equipe de nutrição, enfermeiros, de todos. Nas vezes em que ele precisa, todos se esforçam muito para que a saúde dele seja restabelecida. O hospital tem seu papel de acolher e dar subsídios para o tratamento. É uma corrente de pessoas fazendo o melhor possível”, observa.
Ao longo dos anos, Andrea e os profissionais de saúde desenvolveram uma linguagem alternativa para se comunicar com Rodrigo. Por meio do olhar, ele diz sim, não e também indica quando não entende o que está sendo dito. Todo processo contou com acompanhamento de equipe multidisciplinar, composta por neuro-oftalmologista, fonoaudióloga de linguagem alternativa, terapeuta ocupacional, entre outros profissionais. “Ele pisca de leve pra mostrar que está acompanhando a conversa, pisca mais intensamente quando quer dizer sim. Se ele fica parado, a resposta é não. Foi um tratamento intenso de um ano para ensiná-lo a enxergar a luz novamente”, explica a mãe.
Esporte como homenagem
Em 2019, aos 50 anos, Andrea fez algumas consultas com um terapeuta e foi incentivada a realizar atividades complementares que desejasse. A partir dali, ela começou a praticar esportes, optando pela canoa havaiana. Alguns treinos foram feitos na Represa Passaúna, na Região Metropolitana de Curitiba. Posteriormente, ela buscou profissionais em São Paulo, que a ajudaram a desenvolver habilidades específicas e condicionamento físico.
Andrea, que hoje tem 54 anos, agora é atleta de canoagem havaiana. Já disputou dezenas de campeonatos e conquistou o pódio 25 vezes. São 25 medalhas que ela agora coleciona e que são prova concreta de sua garra e perseverança. O objetivo é conquistar pelo menos mais 8 medalhas. “Quando eu alcançar 33 (medalhas), terei uma homenagem para cada cirurgia do meu filho. Vou colocar cada medalha no pescoço do Rodrigo, para que ele também se sinta vitorioso. Meu filho passou quase sete anos em UTIs; como posso dizer que treinar é difícil, que o remo é difícil?”, encoraja a si própria.
A jornada de Rodrigo, de Andrea e de toda a família é um testemunho de força e esperança. A história da mãe, que agora coordena o home care do filho e é uma atleta vitoriosa em várias competições, é de fé e gratidão. “O Diguinho escolheu permanecer nesta vida, superou fraquezas e cirurgias. Tudo o que passamos não me deixou fria, me deixou quente em relação às pessoas. Meu filho só me mostrou que podemos superar todos os limites”, conclui Andrea.
Prova em dezembro
No último dia 02 de dezembro, Andrea conquistou uma medalha durante a VIBE – Volta de Ilhabela, em São Paulo. Ela participou da competição com outras 11 atletas de vários estados brasileiros, na equipe KOA Va’a. Ficaram em 1° lugar na categoria Master Feminina e 2° lugar geral no feminino. Todas as atletas de sua equipe têm mais de 40 anos de idade. O percurso foi de 90 km, de circum-navegação de Ilhabela, e a prova foi feita na modalidade revezamento. Andrea foi uma das lemes e uma das capitãs do time.