Começaria esse post observando que nós, brasileiros que gostamos e vivemos o automobilismo de alguma forma, somos todos uns merdas no que diz respeito a preservar a história e a glória passada desse esporte tão fascinante, e de cara faz-se necessário observar justa exceção ao Paulo Trevisan, a quem ainda não conheço, que criou e fez tornar-se real na gaúcha Passo Fundo o Museu do Automobilismo Brasileiro, que também ainda não conheço, imperdoavelmente. Tenho duas viagens ao Rio Grande do Sul no mês de junho, vou fazer com que uma delas contemple a parada em Passo Fundo.
Faz-se necessário, também, agradecer ao talibânico José Mário Dias pelo puxão de orelha que me deu sei lá de que ponto do mapa múndi quando soube que eu estava em Termas de Río Hondo, simpática cidadezinha da província argentina de Santiago del Estero, que abriga um dos mais impressionantes dos 25 autódromos onde já estive. “Se voltar para casa sem visitar o museu, dou-lhe uns tapas na cara”, avisou o Zé, polido como sempre. Desavisado como sempre, eu sequer sabia da existência de um museu no complexo da pista, onde estive para narrar as corridas da segunda etapa do Porsche GT3 Cup Challenge. Que é do Brasil.
Já havíamos vivido, é válido lembrar, um certo clima de viagem ao passado nos dias em que estivemos em Termas. O hotel onde ficamos, ao lado do autódromo (íamos e voltávamos a pé todos os dias, algo inimaginável para um sedentário como eu), é todo decorado com motivos que remetem à história do automobilismo argentino. O culto a Juan Fangio lembra a devoção dos brasileiros por Ayrton Senna. As paredes dos quartos, do hall, do restaurante, tudo no hotel remetia à Fórmula 1 dos anos 50, era em que a Argentina nadou de braçada no esporte. E era o próprio Fangio quem nos recepcionava à entrada do Museo Termas de Río Hondo.
Luc Monteiro, Juan Manuel Fangio e Luis Ferrari: o encontro improvável de três lendas do automobilismo às portas do Museo Termas de Río Hondo…
Rapaz, e que museu! São centenas ou milhares de metros quadrados que abrigam parte rica da história do automobilismo e do motociclismo da Argentina e do mundo. Estive lá na tarde de ontem, com as corridas já encerradas. Fui com os pilotos Ricardo Landi e Norberto Gresse Filho e o colega jornalista Luís Ferrari. Ficamos todos embasbacados com tanta coisa bonita e que exalava história, por si só.
Uma das peças que mais atraem atenção dos visitantes é a Benetton-Renault B196, com que Gerhard Berger e Jean Alesi disputaram o Mundial de Fórmula 1 em 1996. Carro original, com motor, câmbio, tudo. Dizem que dá para funcionar o motor e sair andando, desde que haja gasolina no tanque. Não seria má ideia, num ano em que tenho feito tantas maluquices, mas tirar o Benetton de uma plataforma de uns 60 ou 70 cm de altura era risco de prejuízo na certa.
A Benetton de Berger e Alesi exposta no interior da Argentina: tanto em aerodinâmica quanto em layout, um dos carros mais bonitos que a Fórmula 1 já mostrou ao mundo
Mas carro de Fórmula 1 a gente cansou de ver pela televisão, e às vezes ao vivo também. O que pega, como dizem lá no meu boteco, é ver os carros antigos. E lá fomos nós quatro ver os carros antigos. Trouxe no pouco um pouco daquela história para compartilhar com os amigos que me acompanham por aqui. Respirem fundo e apreciem sem moderação.
- Antes mesmo de entrar, já nos deparamos com o simpático Ford A de 1928, com câmbio de três marchas e motor de 4.000 cc. Junto da roda traseira chama atenção o moderno dispositivo para sanar um eventual pneu vazio.
- Fangio, imponente, dá-nos às boas-vindas ainda às portas do Museo Termas de Río Hondo.
- Vista parcial do interior do museu, com destaque para a Benetton de 20 anos atrás, utilizada por Alesi e Berger.
- Exemplar original do Bravi Tornado F1 MA, com motor Tornado IKA de 4.000 cc, chassi e carroceria Bravi.
- O espartano cockpit do Bravi Tornado F1 MA, de fabricação argentina. Anunciam o carro como sendo de 1973, mas sua vitória mais importante aconteceu em 1969, nas 500 Milhas de Rafaela, com o piloto Jorge Ternengo.
- O Luis Ferrari ficou babando nessa réplica do Jaguar Type C 120C. O motor de 3.4 litros e os três carburadores Weber de 40 mm conferiam 220 hp de potência ao carro, que tinha chassi tubular e carroceria de alumínio. Bob Knight e Malcolm Sayer fabricaram 52 unidades entre 1951 e 1953. O C-Type figurou duas vezes entre os carros vencedores das 24 Horas de Le Mans.
- Conhecido na Argentina como “El Ratón”, o BMW Isetta 300, fabricado em 1958, tinha motor monocilíndrico de 4 tempos e câmbio de duas velocidades. O suficiente para render 13 hp de potência. Num conjunto de 350 quilos, a velocidade final era de 85 km/h.
- Belíssimo exemplar original do Berta Tornado, que levou seus pilotos a 26 vitórias na Mecânica Argentina F1 entre 1968 e 1974. Emilio Bertolini, em 1970, Néstor García Veiga, em 1973, e Luis Rubens di Palma, em 1974, foram campeões com esse caro.
- O Berta Tornado tinha motor Tornado IKA de 4.000 cc. Chassi e carroceria do monoposto saíram das pranchetas do mago Oreste Berta, que conheci em 2013 em Córdoba.
- Acabei passando batido nas anotações do esportivo Delahaye de 1931. Vou atrás de mais dados para que sejam apresentados aqui.
- Esse aqui também é réplica. Uma restauração feita pelo Santiago del Estero Classic Motor Club, na verdade, do “Fuerza Libre” com motor Foird 3600 que pepe Morán pilotou na Mecânica Nacional da Argentina.
- Outra bela restauração, assinada por Javier Izurieta e Ricardo Piccone, do Lotus 27 que brilhou na Fórmula 2 entre 1964 e 1966. A fabricação era 100% argentina, com motor Renault de 1.050 cv desenvolvido por Oreste Berta – sempre ele.
- As restaurações do Lotus 27 da Fórmula 2 e do Força Livre, meus dois exemplares preferidos, ali, juntinhas.
- A indústria automobilística argentina fomentada pelo presidente Perón produziu 167 unidades do Justicialista, que dividiu com modelos Corvette a condição de primeiros carros do mundo com carroceria fabricada em fibra de vidro. O motor era o Porsche Boxer de 4 cilindros e 1.500 cc.
- O Crespi GT, protótipo esportivo de 1990 que teve dez unidades produzidas por Tulio Crespi especialmente para os associados do CAS, o Club Automóvilies Sport.
- De fabricação 100% argentina, o Crespi GT incorporou o motor Renault de 2.000 cc, que rendia 190 hp de potência.
- Um Panizza Tornado 1968 da categoria Turismo Carretera. O motor Tornado de quatro bancadas e 4.000 cc, o câmbio ZF de quatro velocidades e o conjunto de carburação com três Weber 44/44 verticais faziam a máquina chegar a 280 km/h. Mario Tarducci, Angel Monguzzi e Mario Velazco foram seus pilotos.
- Tulietta Spyder, outra criação de Tulio Crespi. O carro, de 1972, tinha câmbio TCM e motor Renault de 1.400 cc. Apenas duas unidades foram produzidas.
- Heriberto Pronello foi quem projetou para o campeonato da TC o Halcon Pronello Ford, de 1969. Esse conjunto chassi-carroceria, original, é o de número 005.
- Jorge Ternengo, Carlos Pascualini e Bautista Larriestra foram os pilotos do Halcon Pronello Ford, que tinha motor F100 V8 de 380 hp e câmbio ZF de quatro marchas. Velocidade final? Pasmem: 300 km/h.
- Esse é de 1941. Ford Cupe. O motorzão V8 de 4.785 cc conferia 145 hp de potência ao carro. E, lá ao fundo, os exemplares que inadvertidamente deixei de registrar e catalogar.
- Toti Farina, hoje diretor do autódromo de Termas de Río Hondo, foi campeão da categoria Monomarca NOA em 1987 e em 1988 com esse VW 1500.
- Antes da despedida, a imprescindível selfie com Fangio e sua Mercedes.
- Mantenha o sorriso, Fangio. Seus súditos não só nos recepcionam divinamente como também mantêm viva a história que você tanto ajudou a construir.
A ideia era mostrar aqui tudo que vi no Museo Termas de Río Hondo. Não deu – o que por um lado é bom, porque me obriga a voltar lá pelo menos mais uma vez. Primeiro, porque há um recinto, ao qual não havia acesso por ser domingo à tarde e pela ausência de determinado responsável pelo lugar, com raridades do Mundial de MotoGP. Parece que há até uma moto do “Doutor” respousando por lá. Segundo, porque quando entrei no museu e formatei meu roteiro ele não contemplou o devido exame dos carros que repousam sobre a simulação de um trecho de pista atrás de determinada parede. Fotografei só o primeiro e esqueci de voltar. Fico devendo. Pago no ano que vem.
Nem só de carros é feito o delicioso roteiro do passeio. Há motos, também, de todas as idades e para todos os gostos. Trouxe-as comigo, também. Estarão por aqui até amanhã, ou no máximo até quinta-feira. Acho bacana compartilhar essas coisas com a audiência. E notei que vocês também acham isso quando mostrei aqui um pouco da garagem de carros antigos que o Ted Vernon mantém na Flórida.
Motocicletas de todas as idades e para todos os gostos também atraem atenção de quem vai a Termas de Río Hondo. Amanhã ou depois apresento esses belos exemplares à audiência do blog.
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